Batidas compassadas de surdo. Assim, esquisita, sincopada, alegremente soturna, toca dentro de mim a música da despedida do 
Recife. A 
farewell song por dois dias, nada mais do que isso, vividos com total intensidade, quando fui receber a 
Comenda da Ordem do Mérito Cultural,
 in memoriam, por minha mãe
, Zuzu Angel. Não pela primeira vez, cumpro esta missão, sempre molhada com choro, de ir reverenciá-la 
post mortem. A anterior foi a 
Comenda do Rio Branco, entregue por 
Lula presidente. São todas medalhas muito pomposas, cruzes douradas e com esmalte, colares, faixas de gorgurão terminando em rosetas, bonitas demais. Minha mãe ficaria tão orgulhosa! Em vida, ela mesma inventou sua condecoração: um anjo de 
biscuit, carregando uma braçada de flores, que ela levava ao pescoço nas ocasiões especiais, representando seu filho morto, e na cintura uma carreira de crucifixos, de todos os tamanhos e formatos, representando o suplício de
 Stuart...
Mas ir ao 
Recife teve muitos outros significados. Ao pisar na rampa do 
Hotel Atlante, reencontrei
 Graça Lago, a filha de 
Mario Lago, outro homenageado
 in memoriam. O grande ator, um bom amigo de meu passado de colunista da área de TV/Teatro/Cinema e atriz.  E assim foram os sucessivos reencontros na "Veneza brasileira", 
back to the past. Revi 
Sergio Mamberti, do 
Ministério da Cultura, lembrando-me tanto de minha tia saudosa, 
Virginia Valli, sua amiga próxima e cara. O mesmo fez 
João das Neves, outro premiado, com quem 
Virginia, atriz-titiriteira-escritora-editora, trabalhou no 
Teatro Jovem e no 
Opinião. E o neto do estimado fabuloso ator 
Paulo Gracindo, outro "comendador" 
in memoriam. E, lá, os
 Dzi Croquetes remanescentes, fazendo-me voltar no tempo ao
 Wagner Ribeiro, amigo de minha geração teatral, fundador do grupo, cujo filme agora quer concorrer ao
 Oscar de melhor documentário. 
Wagner é outra parte da história de
 Zuzu, pois, tão talentoso, foi também artesão e criava para mamãe cintos e acessórios de couro maravilhosos pirografados com desenhos bem da época, anos 60, 70, grande moda. Ah, o 
Wagner! Que doçura, quanta suavidade! Que saudade! Em sua casa fofa de 
Santa Teresa, panos indianos, pura sensibilidade. Não está mais entre nós. Mas estavam lá o 
Claudio Tovar, o 
Ciro Barcelos, o
 Bayard Tonelli recebendo o prêmio conferido ao grupo 
Dzi...
A lista dos agraciados com a 
Ordem Do Mérito Cultural neste 2011 distinguiu-se de todas as demais dos anos anteriores, desde que ela foi instituída em 1995, no 
Governo Fernando Henrique Cardoso. Pude fazer uma atenta comparação. Nos anos precedentes, aos nomes ilustres e reconhecidos de nossa vida cultural somavam-se os de políticos, grandes empresários, banqueiros, personalidades midiáticas, militares, religiosos, personalidades das estruturas de poder, famosos.  Neste ano, ficou evidente a preocupação em premiar personalidades 
de todo o país, a fama não foi prioridade, a cultura popular foi muito prestigiada, iniciativas importantes porém pouco conhecidas foram contempladas e os mortos não foram esquecidos. Daí que, sob a égide de 
Pagu, personalidade símbolo desta entrega, receberam suas medalhas, da artista plástica carioca 
Adriana Varejão, das mais cotadas no mercado internacional da arte contemporânea, ao jornalista mineiro 
Afonso Borges, criador do projeto 
Sempre um Papo; da precursora do movimento feminista a escritora 
Ana Montenegro, 
in memoriam,  ao músico 
Antonio Nóbrega (curiosamente, o pernambucano foi o único ausente, mesmo o evento acontecendo no 
Recife); do mestre 
Apolonio Melonio, do
 Bumba-meu-boi das Flores, ao ator baiano 
Antonio Pitanga; da 
Associação Capão Cidadão, de dança, do 
Capão Redondo, aos artesão de 
Santana de Araçuaí, no
 Vale do Jequitinhonha...
E mais a 
Beth Carvalho, no samba, o
 Betinho, 
in memoriam (quantos aplausos!), o escritor mineiro
 Campos de Carvalho,
 in memoriam, bem como o pernambucano 
Capiba (e a plateia, comovida ao lembrá-lo, cantarolou um frevo dele inteirinho, foi de chorar de tão lindo). A 
Casa Wariró, dos produtos indígenas do 
Rio Negro, o ator premiado 
Chico Diaz, a notável
 Clarice Lispector, in memoriam (e o 
Teatro Santa Isabel, onde foi a premiação, vibrou com a menção do  nome), a professora de antropologia do 
Maranhão, 
Claudett Ribeiro, a 
Central Única das Favelas do Rio, o seleiro 
Espedito, do sertão do 
Cariri, o 
Festival de Dança de Joinville, o 
Festival Santista de Teatro. O gravador gaúcho 
Glênio Biachetti, o grupo carioca
 Dançando Para Não Dançar, o 
Cumbuca, grupo de dança do 
Piauí, o 
Galpão, o cineasta 
Gustavo Dahl,
 in memoriam, o cineasta 
Héctor Babenco...
Foi lembrada a poetisa 
Helena Kolody, foram premiados a atriz 
Ittala Nandi e o cantor 
Jair Rodrigues, e já não era sem tempo. 
João do Vale,
 in memoriam, assim como foi
 in memoriam a comenda ao diretor 
José Renato. O 
Santa Isabel vibrou quando foi mencionado o nome de 
Leila Diniz. A filha 
Janaína ficou feliz, feliz. 
Lelia Abramo, outra premiada
 in memoriam.
 Luiz Melodia condecorado. A 
Academia Brasileira de Letras, representada por seu presidente, 
Marcos Vilaça. A escritora 
Lygia Bojunga. O 
Maracatu Estrela de Tracunhaém. A representante do 
Memorial Unisinos, que reúne o patrimônio dos 
Jesuítas, obras raras, no 
Rio Grande do Sul, me perguntava, intrigada, como eram escolhindos os premiados, pois não imaginava como eles chegaram ao
 Unisinos, que guarda acervo preciosíssimo da 
Companhia de Jesus. 
Nelson Cavaquinho, 
in memoriam, e o filho estava lá para receber. O 
Pedreiro carioca que fez uma biblioteca em 
Tobias Barreto. 
Quinteto Violado, Teatro Tablado, a artista plástica T
ereza Costa Rêgo. O grande nome do teatro do 
Pernambuco, 
Valdemar de Oliveira, 
in memoriam. O artista plástico 
Vik Muniz...
E deixo para o fim o comendador
 in memoriam, o mais importante educador brasileiro, o ilustríssimo 
Paulo Freire, na mesa de cuja família tive o prazer de jantar, após a entrega do prêmio, no 
Palácio das Princesas, onde o 
governador Eduardo Campos recebeu, junto com a 
ministra Ana de Hollanda, os 300 convidados. Não fossem a viúva de
 Freire, 
Ana Maria Araujo Freire, acompanhada de seu filho, 
Ricardo, e de seus irmãos, 
Cristina e 
Lula,   e eu não saberia que foi 
Maurício de Nassau quem fez construir o prédio do palácio tal e qual sua residência na 
Holanda, bem como e todo aquele entorno - o jardim com árvores frondosas, o rio cortando o terreno, a ponte, um paraíso cercado de prédios históricos e belos. Não saberia, também, que o palácio se chama 
Das Princesas porque era lá, naquele jardim tão belo, que
 Dom Pedro II gostava de levar suas filhas princesinhas para brincarem. Muito menos aprenderia que se chamam 
heliconias as flores que "gradeavam" a passarela que levava às mesas, onde o jantar foi servido ao ar livre. Uma revelação do 
Lula, cuja mulher adora botânica...
Antes de me despedir de vocês, um breve comentário sobre 
Ana de Hollanda, absolutamente plena, feliz e descontraída no exercício de seu ministério. No palco, ao lado da apresentadora-atriz 
Denise Fraga, Ana estava completamente à vontade, como que em seu 
habitat natural. Sem afetações. Vibrava tanto quanto a plateia ou cada um dos homenageados. Sem afetações nem falsas posturas/composturas de ocasião. Não estava ali uma burocrata. Estava 
Ana, Ana íntegra, Ana artista...

Sergio Mamberti, Bayard Tonelli, Graça Lago, Claudio Tovar e o governador Eduardo Campos, na área externa do Teatro Santa Isabel, antes do início da premiação

Hector Babenco, premiado com a Ordem do Mérito Cultural 2011, e o presidente da Funarte, Antonio Grassi

As "senhoras" dos premiados 2011: Barbara Paz, do Babenco, e Sylvia Buarque, do Chico Diaz

Antonio Pitanga, decididamente: o premiado mais elegante da noite, com seu terno branco, jaquetão, de risca de giz

O filho de Nelson Cavaquinho

Ricardo Araujo e Lula Araujo, enteado e cunhado do maior educador do Brasil Paulo Freire

Denise Fraga, o governador Eduardo Campos e a ministra Ana de Hollanda, que recebeu, também ela, a importante comenda da Ordem do Mérito Cultural 2011